MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
   

1. Processo nº:5388/2019
2. Classe/Assunto: 4.PRESTAÇÃO DE CONTAS
2.PRESTAÇÃO DE CONTAS DO PREFEITO - CONSOLIDADAS - 2018
3. Responsável(eis):ALAILSO SOUZA VIANA - CPF: 52787664172
CLEOMAN CORREIA COSTA - CPF: 50032607172
4. Origem:PREFEITURA MUNICIPAL DE ITACAJÁ
5. Distribuição:1ª RELATORIA

6. PARECER Nº 3159/2020-PROCD

 

Egrégio Tribunal,

  1. - Trata-se da prestação de Contas Anuais do Município de Itacajá/TO, balanço geral – exercício de 2018, de responsabilidade do Sr.  Cleoman Correia Costa, prefeito.

 

NATUREZA JURÍDICA DO JULGAMENTO:

  1. - A Constituição Federal reservou para o Poder Legislativo o julgamento das Contas dos Chefes do Poder Executivo nas três esferas: Federal (artigo 71, inciso I), Estadual (artigo 71 c/c 75 e 25) e Municipal (artigo 31, § 2º). Ao Tribunal de Contas cabe a apreciação das mesmas, através de parecer prévio (artigo 71, inciso II), e o julgamento dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (artigo 71, inciso II, C.F.).
  2. - Quais são as contas a que o tribunal aprecia com parecer prévio (artigo 71, inciso I) e as que julga (artigo 71, inciso II)?  
  3. - O critério que inicialmente define as competências é relativo à pessoa a ser julgada - “ratione personae”; o conteúdo das contas também distingue o julgamento de competência do legislativo, daquele de competência do Tribunal de Contas.
  4. - É que a rigor, os Chefes do Poder Executivo da União, dos Estados e dos grandes Municípios são meros cumpridores do orçamento, e nessa condição repassam as verbas para os Ministérios ou Secretarias, nos termos aprovados no orçamento, com respeito, naturalmente, às demais normas legais e constitucionais, como exemplo, percentual mínimo exigido para a educação, limite máximo de gastos com pessoal, etc., e as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal tão ao gosto de uma profícua administração, a despeito de sua iniciativa (do projeto de Lei que redundou na L.C. 101/00), originar de imposição do capital estrangeiro.
  5. - Respeitados tais normas, o orçamento e plano plurianual são motivados por convicções ideológicas e políticas, que definem canalização de recursos, a maior ou a menor, para cada setor que entende prioritário ou não (saúde, segurança, transporte, etc.), segundo seu programa de governo e plataforma partidária.
  6. - Nesse particular, a função do Tribunal de Contas sobre as contas anuais do chefe do Poder Executivo é de apreciá-las emitindo parecer prévio. “É um parecer sobre a legalidade, sobre o atendimento das finalidades traçadas no orçamento, enfim se realmente o Poder executivo cumpriu aquilo que está previsto na sua gestão financeira do exercício anterior[1].      
  7. - Aflora, daí, a conclusão de que as contas anuais citadas no artigo 71, inciso I, da C.F., abrange todo exercício financeiro anterior e revela somente os aspectos global e formal; o julgamento pelo Legislativo segue esta ordem de análise macro e genérica, de cunho mais político que técnico, guardadas suas proporcionalidades, já que a própria extensão e complexidade das contas, não dispensa um minucioso parecer técnico opinativo do Tribunal de Contas, que neste caso, se define nessa condição: a de auxiliar e não há nenhum trabalho mais auxiliar do que o de elaborar parecer.
  8. - Já as contas dos demais administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos – excetuados, então, somente os Chefes do Executivo na qualidade de Chefe Político - serão julgados pelos Tribunais de Contas - Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, regra constitucional “ratione personae”, embora registre, também, características peculiares de operacionalidade, manejo direto da arrecadação de receitas e ordenamento de despesas. Evidencia-se nestes atos, os pormenores das receitas e despesas públicas, como exemplo, controle e fiscalização do patrimônio – finanças, bens de consumo, permanentes e imóveis quanto aos aspectos formal e fático, da investidura - contratação, vencimento e vantagens dos servidores, da licitação e contratação - obras, bens e serviços, etc. As contas são estanques e por setores, ao contrário das contas dos Chefes do Poder Executivo. O julgamento é exclusivamente técnico e permite um controle mais abrangente da moralidade, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, contra a indesejável corrupção que permeia e é causa da grande desigualdade social, combatida pelos princípios da República.
  9. - Portanto frise-se: a competência para o julgamento das contas por regra se distingue em razão das pessoas, mas diferem também no conteúdo dos atos julgados; a regra constitucional quanto às contas dos Chefes dos Poderes Executivos Estaduais e Municipais, é que ao Tribunal de Contas cabe apreciá-las,  mediante parecer prévio e julgar as demais, oriundas da Presidência da Assembleia Legislativa, Presidência do Tribunal de Justiça, Procuradoria Geral do Ministério Público, Secretarias, etc., podendo ocorrer a possibilidade de julgar as contas do próprio Chefe do Poder Executivo quando se tratar de atos de ordenamento de despesas.
  10. - Esta é a determinação do artigo 104 da Lei Estadual 1.284/2001 (Lei Orgânica do TCE/TO):

“Artigo 104 – A elaboração do parecer prévio não envolve o exame de responsabilidade dos administradores, incluindo o do Prefeito Municipal e do presidente da Câmara de Vereadores e demais responsáveis de unidades gestoras, por dinheiro, bens e valores, cujas contas serão objeto de julgamento pelo Tribunal.”

  1. - Ressalta-se, porém, que o Superior Tribunal Federal – STF manifestou-se pela ilegalidade do ato de julgamento do Prefeito no âmbito dos Tribunais de Contas, enquanto ordenador de despesas – RE 729744 – Recurso Extraordinário:

RE 729744 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator: MIN. GILMAR MENDES

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contasanuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo”, vencidos os Ministros Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux. Ausentes, justificadamente, os Ministros Cármen Lúcia e Teori Zavascki. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 17.08.2016.

  1. - Por último, o STF assentou no RE 848826 que o Legislativo Municipal é quem detém a legitimidade constitucional para julgamento das Contas de Governo e de Gestão dos Prefeitos: 

“RE 848826. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), que redigirá o acórdão, fixou tese nos seguintes termos: “Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”, vencidos os Ministros Luiz Fux e Rosa Weber. Ausentes, justificadamente, os Ministros Cármen Lúcia e Teori Zavascki. Plenário, 17.08.2016.”

 

MÉRITO:

  1. - A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe quatro princípios básicos da Administração – o planejamento, a transparência, o controle e a sanção, que permitem apurar com maior eficácia as normas constitucionais para o setor público.
  2. - Os órgãos instrutivos desta casa apontaram os dados contábeis do exercício, conforme Relatório de Análise nº 238/2020 (ev. 7):

Despesa

Disp. Legal

Limite %

Efetivamente Gasto

Total com Pessoal

Art. 20, III, ‘a’, LRF

60% da RCL (54% Executivo e 6% Legislativo)

59,70% da RCL (57,02% Executivo e   2,68% Legislativo)

Total c/o Legislativo

Art. 29-A, I

7%

7%

Educação

Art. 212, CF

25% no mínimo, manutenção e desenvolvimento do ensino

29,68%

FUNDEB

Art. 60, XII, CF, e Regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007

60% no mínimo, Desenv. Ensino Fundamental e a valorização do magistério

81,98%

Saúde

Art. 77, §1º da ADCT c/c LC 141/2012, art. 7º

Mínimo de 15%

18,99%

 

  1. - Ainda conforme o Relatório, na análise das gestões orçamentária, financeira e patrimonial, a equipe técnica apontou irregularidades nas contas, consubstanciadas no Despacho nº 501/2020 da Relatoria (ev. 8).
  2. - Devidamente citados a se manifestarem sobre os apontamentos, os responsáveis apresentaram defesa (ev. 19).
  3. - Ao emitir a Análise de Defesa nº 452/2020 (ev. 19), a Coordenadoria de Analise de Contas e Acompanhamento da Gestão Fiscal considerou que os documentos e justificativas apresentadas não foram insuficientes para sanar parte das irregularidades, a saber:

1) Em 2019, foram realizadas despesas de exercícios encerrados no montante de R$ 1.100,00, ou seja, compromissos que deixaram de ser reconhecidos na execução orçamentária do período, dando causa à distorção dos resultados orçamentário, financeiro, patrimonial e, podendo assim, alterar os indicadores fiscais. Desta forma, o Balanço Orçamentário de 2018 não atende a característica da representação fidedigna (art. 60, 63, 83, 101 e 102 da Lei nº 4.320/64). (Item 5.1.2. do Relatório);

2) Destaca-se que houve divergência entre o valor total das receitas do Balanço Financeiro com o total das despesas no valor de R$ 4.831,09. (Item 6 do relatório);

3) O Município de Itacajá empenhou o valor R$ 1.100,00 no elemento de despesa "92 – Despesas de Exercícios Anteriores", despesas que se referem a compromissos que foram contraídos nos exercícios anteriores ao momento da realização do empenho. Portanto, como as obrigações da entidade devem ser contabilizadas pelo regime da competência com o indicador de superávit "P", até que passe pela fase do empenho, então o município apresenta uma ocultação de passivo circulante de R$ 1.100,00. (Item 7.2.3.1. do relatório);

4) Descumprimento de vagas em creche e pré-escola em quantitativo suficiente para o atingimento da Meta 1A do Plano Nacional da Educação estabelecidas na Lei Federal nº 13005/2014 tendo em vista que conforme os dados levantados no Sistema TC educa, disponível em https://pne.tce.mg.gov.br, apenas 110 do total de 301 ou seja, 36,54% das crianças de 4 e 5 anos encontram-se matriculados na educação infantil, quando deveria ter atingido a meta de 100,00% até 2016, evidenciando descumprimento do artigo 208 , I e IV da Constituição Federal, e da Lei Federal nº 13.005/2014;

5) Tendência de descumprimento da Meta 1B do Plano Nacional da Educação tendo em vista que conforme os dados levantados no Sistema TC educa, disponível em https://pne.tce.mg.gov.br, apenas 127 do total de 565 ou seja, 22,48% das crianças de 0 a 3 anos encontram-se matriculados na educação infantil, sendo que o Município deverá atingir a meta de 50,00% até 2024;

6) Cumprimento da Meta do IDEB no ano de 2017, anos iniciais e descumprimento nos anos finais, estabelecida na Lei Federal nº 13.005/2014 como a Meta 7, qual seja, “fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB (...)” e, portanto, o Município poderá também não alcançar a meta nacional em 2021;

7) Descumprimento da Meta 18 do PNE estabelecida na Lei Federal nº 13.005/2014 no que se refere ao Piso Salarial Nacional tendo em vista que, conforme os dados encaminhados pelo Município via SICAP-Atos de Pessoal (relatório anexo extraído da folha do mês de agosto/18), o Município remunera os professores com valores mensais inferiores ao piso estabelecido pela Portaria nº 1.595, de 28 de dezembro de 2017, no valor de R$ 2.455,35, pois, apenas 50 de um total de 88, ou seja, 56,82% dos Professores do Magistério do Município de Itacajá-TO, recebem valores mensais iguais ou superiores ao Piso estabelecido pela referida Portaria. Entretanto, conforme Relatório Folha de Professores (Anexo 01), dos 38 professores que recebem abaixo do piso, 37 recebem valores proporcionais a esse, se considerarmos a jornada semanal de 20 e 30 horas informada, restando 01 professor com valor mensal inferior ao piso estabelecido pela Portaria nº 1.595, de 28 de dezembro de 2017;

8) Descumprimento da Estratégia nº 18.1 do Plano Nacional da Educação estabelecida na Lei Federal nº 13.005/2014 uma vez que conforme os dados encaminhados pelo Município via SICAP Atos de Pessoal (relatório anexo extraído da folha do mês de agosto de 2018), apenas 49 de um total de 88, ou seja 55,68% dos profissionais do magistério são efetivos (quando a meta estabelece o mínimo de 90% até 2017);

9) Meta 18, estratégia nº 18.1 - estruturar as redes públicas de educação básica de modo que, até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério e 50% (cinquenta por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais da educação não docentes sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes escolares a que se encontrem vinculados;

  1. - A douta Auditoria opinou pela rejeição das contas consolidadas, conforme Parecer nº 3097/2020 (ev. 20). 
  2. - Na esteira da manifestação apresentada pelo Corpo Especial de Auditores, entende-se que as irregularidades concernentes a “Abertura de Créditos Suplementares acima do percentual estabelecido na LOA” e “Obrigações patronais devidas ao Regime Geral de Previdência em 16,14% das despesas com remunerações no exercício”, itens 4 e 18 do Despacho nº 501/2020 (ev. 8), não foram elididas mormente o descumprimento dos limites legais.
  3. - A irregularidade que versa sobre “despesa com pessoal do Poder Executivo acima do limite máximo permitido”, item 17 do Despacho nº 501/2020, foi considerada elidida pela equipe técnica.
  4. - No mais, é despiciendo ao Ministério Público repetir os números, os resultados ou a fundamentação legal adotada, já que os técnicos encarregados da análise formal e material destas atribuições apontaram a permanência de outras irregularidades que viciam o mérito da prestação de contas em apreço.
  5. - Assim, não obstante o atendimento dos índices constitucionais e legais referentes à Educação, FUNDEB e Saúde, verifica-se que as irregularidades remanescentes são de natureza grave e gravíssima, nos termos da Instrução Normativa nº 02/2013, evidenciando desequilíbrio de planejamento e execução das contas públicas. Logo, suficientes para a fundamentação de um parecer prévio pela rejeição das presentes contas consolidadas.
  6. - Insta salientar, por fim, que durante o exercício não foram realizadas auditorias “in loco”, de forma que as informações são unilaterais do Prefeito, fato que prejudica sobremaneira a aferição da veracidade dos fatos contábeis apresentados.

CONCLUSÃO: 

  1. - Pelo exposto, o Ministério Público de Contas, diante das informações orçamentárias, financeiras, patrimoniais, contábeis e operacionais fornecidas pelos órgãos instrutivos desta casa, manifesta-se a este Egrégio Tribunal de Contas pela emissão de Parecer Prévio recomendando à Câmara Municipal a REJEIÇÃO das presentes Contas Consolidadas, nos termos artigos 1º, inciso I, 10, inciso III e § 1º, 103 e 104, todos da Lei Estadual nº 1.284/2001 (Lei Orgânica do TCE/TO) c/c artigos 28 e 32 do Regimento Interno, com recomendação de saneamento dos apontamentos técnicos contábeis nas contas subsequentes.

É o Parecer.

 

 

MARCOS ANTONIO DA SILVA MODES

Procurador de Contas

 

 

[1] Regis Fernandes de Oliveira, Revista de Direito Público, 96/218

MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS, em Palmas, aos dias 20 do mês de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por:
MARCOS ANTONIO DA SILVA MODES, PROCURADOR (A) DE CONTAS, em 20/11/2020 às 12:49:19
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
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